O que a história nos diz sobre o futuro da Inteligência Artificial (IA) – e como a sociedade deve responder.
*Por Cristian Machado | Foto: iStock
Especialistas alertam que “a substituição do trabalho humano pela Inteligência Artificial” pode “tornar a população redundante”. Eles se preocupam com o fato de “a descoberta desse super poder ter vindo antes de sabermos como empregá-lo corretamente”. Tais receios são expressos hoje por aqueles que temem que os avanços na Inteligência Artificial (IA) possam destruir milhões de empregos e representar uma ameaça no estilo “Exterminador do Futuro” para a humanidade. Mas estas eram, de fato, as palavras dos comentaristas discutindo mecanização e energia a vapor há dois séculos. Naquela época, a controvérsia sobre os perigos representados pelas máquinas era conhecida como a “questão das máquinas”. Agora, um debate muito semelhante está em andamento.
Depois de muitas falsas auroras, a IA progrediu extraordinariamente nos últimos anos, graças a uma técnica versátil chamada “aprendizado profundo” (Deep Learning).
Com dados suficientes, redes neurais grandes (ou “profundas”), modeladas na arquitetura do cérebro, podem ser treinadas para fazer todo tipo de coisas. Elas potencializam o mecanismo de busca do Google, a marcação automática de fotos no Facebook, o assistente de voz da Apple, as recomendações de compras da Amazon e os carros autônomos da Tesla. Mas esse rápido progresso também levou a preocupações com a segurança e a perda de empregos.
Stephen Hawking, Elon Musk e outros se perguntam se a IA poderia sair do controle, precipitando um conflito de ficção científica entre pessoas e máquinas. Outros temem que a IA cause desemprego generalizado, automatizando tarefas cognitivas que antes só poderiam ser feitas por pessoas. Depois de 200 anos, a questão das máquinas está de volta e precisa ser respondida.
Algumas perguntas e respostas
O cenário mais alarmante é o da Inteligência Artificial que se transforma no mal, como visto em inúmeros filmes de ficção científica. É a expressão moderna de um velho medo, voltando a “Frankenstein” (1818) e além. Mas, embora os sistemas de IA sejam impressionantes, eles podem realizar apenas tarefas muito específicas: uma IA geral capaz de enganar seus criadores humanos permanece uma perspectiva distante e incerta. Preocupar-se com isso é como se preocupar com a superpopulação em Marte antes que os colonos tenham chegado lá, diz Andrew Nigel, um pesquisador de IA. O aspecto mais premente da questão das máquinas é o impacto que a IA pode ter nos empregos e no modo de vida das pessoas.
Esse medo também tem uma longa história. Os pânicos sobre o “desemprego tecnológico” ocorreram nos anos 1960 (quando as empresas instalaram computadores e robôs) e nos anos 80 (quando os PCs pousavam sobre as mesas). Em cada um desses momentos, parecia que a automação generalizada de empregos de trabalhadores qualificados estava ao virar da esquina.
Porém, a cada vez, a tecnologia gerou de fato mais empregos do que destruiu, já que a automação de uma tarefa aumentou a demanda de pessoas para realizar as tarefas relacionadas que ainda estavam além das máquinas. Substituir algumas caixas de banco por caixas eletrônicos, por exemplo, tornou mais barato abrir novas agências, criando muito mais novos empregos em vendas e atendimento ao cliente.
Da mesma forma, o comércio eletrônico aumentou o emprego global no varejo. Tal como acontece com a introdução da informática nos escritórios, a IA não irá substituir os trabalhadores diretamente, mas exigir deles que adquiram novas habilidades para complementá-los. Apesar de um artigo muito citado sugerir que até 47% dos empregos nos EUA enfrentam automação potencial na próxima década ou duas, outros estudos estimam que menos de 10% irão realmente ocorrer.
Mesmo que as perdas de empregos no curto prazo provavelmente sejam mais do que compensadas pela criação de novos empregos a longo prazo, a experiência do século XIX mostra que a transição pode ser traumática. O crescimento econômico decolou depois de séculos de padrões de vida estagnados, mas décadas se passaram antes que isso se refletisse totalmente em salários mais altos. A rápida mudança das populações de fazendas para fábricas urbanas contribuiu para a agitação em toda a Europa. Os governos levaram um século para responder com novos sistemas de educação e bem-estar.
Dessa vez, a transição provavelmente será mais ágil, já que as tecnologias se difundem mais rapidamente do que há 200 anos. A desigualdade de renda já está crescendo, porque os trabalhadores de alta qualificação se beneficiam desproporcionalmente quando a tecnologia complementa seus trabalhos. Isso coloca dois desafios para os empregadores e os formuladores de políticas: como ajudar os trabalhadores existentes a adquirir novas habilidades; e como preparar as futuras gerações para um local de trabalho cheio de Inteligência Artificial.
Um insight inteligente
A tecnologia demanda novas habilidades necessárias para cada profissão, e os trabalhadores terão que se ajustar. Isso significa tornar a educação e o treinamento flexíveis o suficiente para ensinar novas habilidades de forma rápida e eficiente. Isso exigirá uma maior ênfase na aprendizagem ao longo da vida e no treinamento no trabalho, além do uso mais amplo da aprendizagem on-line e simulações no estilo dos vídeogames. A IA pode ajudar, personalizando a aprendizagem baseada em computadores e identificando as lacunas de habilidades dos trabalhadores e as oportunidades de reciclagem.
Habilidades sociais e de caráter também serão cada vez mais importantes. Num contexto em que os empregos são perecíveis, as tecnologias vêm e vão e a vida profissional das pessoas é mais longa, as habilidades sociais são uma base fundamental que podem dar uma vantagem aos seres humanos, ajudando-os a trabalhar em tarefas que exigem empatia e interação – características que estão além das máquinas.
E seria perfeito se os sistemas de previdência social pudessem ser atualizados para suavizar as transições entre empregos e para apoiar os trabalhadores enquanto eles adquirem novas habilidades. Um esquema amplamente considerado como uma panacéia é uma “renda básica”, paga a todos, independentemente de sua situação. Mas isso não faria sentido sem fortes evidências de que essa revolução tecnológica, ao contrário das anteriores, está ditando novas regras quanto à demanda de mão de obra . Em vez disso, os países deveriam aprender com o sistema de “flexicurity” da Dinamarca, que permite que as empresas contratem e demitam com facilidade, enquanto apoiam os trabalhadores desempregados no momento que eles recuam e buscam novos empregos. Benefícios, pensões e cuidados de saúde devem estar vinculados aos trabalhadores individuais, em vez de estarem ligados aos empregadores, como é frequente hoje em dia.
Apesar da marcha da tecnologia, há poucos sinais de que os sistemas de educação e bem-estar estejam sendo sendo modernizados e flexibilizados. Os formuladores de políticas precisam seguir em frente, pois quanto mais atrasarem maior será o ônus sobre o estado de bem-estar social. John Stuart Mill escreveu na década de 1840 que “não pode haver um objeto mais legítimo de cuidado do legislador” do que cuidar daqueles cuja subsistência é interrompida pela tecnologia. Isso era verdade na era da máquina a vapor, e permanece verdadeiro na era da Inteligência Artificial.
Fonte: The Economist. “Artificial intelligence: March of the machines”, 25 de mar. de 2016