Na opinião de Renato Trindade, gerente da consultoria global de recrutamento Page Personnel, os novos engenheiros precisam de uma formação mais global e analítica para trabalhar à frente das novas demandas da indústria. Apesar de essas características já serem exigidas pelo mercado de trabalho, as universidades ainda não estão preparadas para este novo perfil
*Por Denise Marson | Foto: iStockphotos
Os cursos de Engenharia ainda são muito tradicionais, focados em temas clássicos do setor e ainda com pouco espaço para as inovações, como a automação, a robótica e a indústria 4.0. Este diagnóstico, feito por Renato Trindade – gerente da consultoria global de recrutamento para cargos de nível técnico e suporte à gestão Page Personnel – atesta para o descompasso existente entre as necessidades atuais do mercado e o perfil dos engenheiros formados na maior parte das universidades do País.
Para ele, trata-se de um sintoma grave, uma vez que “a ausência de aproximação entre indústria e instituições de ensino não ajuda a despertar o interesse de jovens profissionais, além de não gerar um plano claro de recuperação e modernização para a indústria brasileira”. Nesta entrevista para O Mundo da Usinagem, o especialista também relaciona algumas características positivas para um engenheiro, tais como comunicação, gestão de conflitos, empatia, trabalho em grupo e algumas habilidades técnicas como administração, noções de marketing e finanças.
Em sua própria trajetória profissional, Trindade sempre precisou aliar a área de humanas de sua formação inicial – Jornalismo, com pós-graduação em Marketing – ao ambiente empresarial que, muitas vezes, lida com ciências mais exatas. Inicialmente trabalhando nos departamentos de comunicação, ele enveredou pela área do marketing estratégico e comercial e, durante um programa de treinamento em uma grande instituição financeira, também teve a oportunidade de aprender sobre negociação, finanças, economia e adquiriu, como bônus, competências na área administrativa.
Ao participar de um processo seletivo na consultoria global de recrutamento Page Personnel, quando concorria a uma vaga de coordenador de marketing esportivo, que ele descobriu seu potencial para atuar na área de recrutamento e seleção. Hoje, aos 34 anos, ele comanda a divisão de Vendas, Marketing e Retail da empresa.
Como estreitar o relacionamento entre empresas e universidades para que ambas atuem juntas na formação do melhor profissional?
As relações entre empresas e universidades no Brasil ainda são muito incipientes, o que dificulta o avanço na formação de profissionais em novas tecnologias e tendências de mercado. Em países desenvolvidos, as empresas investem na formação de profissionais, não só na universidade, mas também durante o ensino fundamental. Essa aproximação tem como objetivo capacitar e despertar, já na formação básica, o interesse dos alunos em novas tecnologias.
O investimento na formação garante profissionais capacitados e que irão atender às demandas do mercado com um custo de capacitação mais baixo e alta qualidade, garantindo que não haja um ‘apagão’ de profissionais. Ambas as instituições precisam se aproximar, gerando valor, mudando a grade de ensino, incluindo novas tendências no aprendizado e garantindo mão de obra qualificada para as futuras necessidades.
No Brasil, temos um longo caminho para avançar, porém, é algo extremamente importante para garantir o futuro das empresas e, principalmente, da indústria brasileira. Nos Estados Unidos essa parceria funciona muito bem e com adaptações por regiões e mercados. Em Estados nos quais a indústria é mais forte, o investimento na formação de profissionais desse setor é grande nas escolas e universidades da região. No Vale do Silício, por exemplo, empresas de tecnologia investem na formação de profissionais, ensinando suas tecnologias e garantindo que tenha profissionais bem formados para ingressarem nas empresas com alta capacitação.
Um bom exemplo que temos no Brasil está no sistema Senai, com forte capacitação técnica, no qual já vemos uma forte aproximação de empresas no investimento da capacitação técnica de profissionais garantindo, assim, mão de obra qualificada e especializada com um custo menor do que com engenheiros.
Recentes levantamentos mostram que o número de graduados em Engenharia no País quadruplicou em 15 anos – passou de 25 mil em 2001 para mais de 100 mil em 2016. Entretanto, alguns especialistas avaliam que esse aumento não trouxe um grande impacto na inovação dentro do setor produtivo. Na sua opinião, por que há esse descompasso?
A indústria vem sofrendo muito com a crise econômica brasileira, isso fez com que as oportunidades profissionais diminuíssem. A formação em Engenharia no Brasil é muito bem vista pelo mercado, devido ao poder de planejamento, de organização e de execução. Esses profissionais estão ganhando espaço em outros setores do mercado como as áreas financeira, de serviços e de tecnologia, entre outras. A carreira nesses outros setores tem se mostrado mais promissora do que o investimento profissional dentro da indústria, que sofre com o momento atual do Brasil. Os cursos de Engenharia ainda são muito tradicionais, focados em temas clássicos do setor e ainda com pouco espaço para as inovações, como a automação, a robótica e a indústria 4.0. A ausência de aproximação entre indústria e instituições de ensino não ajuda a despertar o interesse de jovens profissionais, além de não gerar um plano claro de recuperação e modernização para a indústria brasileira.
Atualmente, qual o grau de familiaridade que um estudante de engenharia tem com o conceito de indústria 4.0, por exemplo?
Hoje, o engenheiro sai com uma capacitação semelhante à de 10 ou até 20 anos atrás, sem espaço para os temas mais modernos da indústria global. A formação não segue o avanço do mercado, não só em questões técnicas, mas também em outras disciplinas necessárias para o mercado. Os engenheiros têm muitas cobranças e precisam de um preparo que vai além do cálculo e dos quesitos da engenharia. O mercado deseja profissionais que, além de ter o poder de planejar e executar, também tenham pensamento analítico, de gestão, administração, comunicação, entre outras características. Poucos profissionais saem da faculdade com os conceitos da indústria 4.0, algo novo ainda no Brasil e com baixo investimento. A busca por profissionais com esse perfil é muito difícil, pela escassez de perfis com alto conhecimento. As universidades precisam se modernizar, mudar sua grade, olhar para o futuro e preparar seus estudantes para as mudanças que virão, talvez com mais lentidão no Brasil, mas serão tendência de mercado nos próximos anos.
Ultimamente, competências como liderança e trabalho em equipe têm sido muito valorizadas. Em que medida o profissional de engenharia está trabalhando essas habilidades?
O profissional de engenharia precisa buscar outras capacitações, como pós-graduação, MBA ou cursos específicos para desenvolver outras habilidades necessárias ao mercado de trabalho atual. Principalmente para os engenheiros que buscam posições fora da área técnica. A formação ensina a projetar, planejar e executar dentro de um cenário técnico, com situações previsíveis, já estudadas pela engenharia. O mercado apresenta cenários difíceis de prever, não tendo uma forma de atuação predefinida, sendo necessário a criatividade para resolução de problemas e conflitos. Na engenharia, tudo é muito estudado e os cenários já foram desenhados, estudados, testados e os resultados auferidos. O engenheiro moderno precisa usar seu pensamento e raciocínio lógico para momentos nos quais não existem estudos prévios ou ações já definidas, tem de pensar, se relacionar com diferentes áreas e perfis profissionais e se comunicar de uma forma clara e empática, atuando em grupo e conseguindo entender a visão e posição dos outros. O mercado não é uma ciência exata como a engenharia e essa adaptação é essencial para crescer e sobreviver nesse ambiente.
O que as empresas estão esperando dos profissionais que vão contratar? Elas já estão exigindo, por exemplo, conhecimentos de robótica ou manufatura aditiva (prototipagem)?
O mercado tem um grande desafio, pois as empresas querem profissionais altamente capacitados em novas tecnologias e tendências, porém, poucas aplicam isso em seu dia a dia. A indústria ainda é muito carente no que diz respeito à automação, robótica e prototipagem. As grandes corporações multinacionais trazem a tecnologia de sua matriz para o Brasil, porém, encontram dificuldades em aplicá-la exatamente por não ter profissionais capacitados, o que leva à necessidade de capacitar esses profissionais fora do Brasil, ou até mesmo expatriar profissionais para trazer conhecimento para suas operações no País.