bullying e preconceito no ambiente corporativo

Os processos seletivos e o relacionamento no ambiente corporativo podem ser contaminados por práticas de discriminação e bullying. Empresas como a BASF e a Meritor apostam em treinamentos específicos para impedir que isso aconteça

*Por Denise Marson | Foto: iStockphoto

 

Todo ser humano traz consigo algum grau de preconceito – consciente ou inconsciente – e isso pode afetar seus relacionamentos, inclusive no ambiente de trabalho. As vítimas podem estar entre as mulheres, os negros, dentro da população LGBT ou até entre os portadores de deficiência, mas a discriminação também pode ser direcionada a qualquer pessoa, quando ela acaba sendo descartada em um processo de contratação ou promoção com base em prejulgamentos, antes de uma análise isenta de suas qualificações técnicas, profissionais e comportamentais. O desafio de tratar temas tão delicados está sendo encarado pelos departamentos de recursos humanos de algumas empresas e os primeiros resultados positivos já estão aparecendo: mais inclusão, diversidade e representatividade.

Segundo dados da BASF, em 2017 as mulheres representavam 29,5% do quadro de colaboradores na América do Sul, por exemplo. Em relação aos cargos de liderança, a representatividade é de 27,1%. “Esses números colocam a BASF América do Sul em destaque em relação às demais regiões da empresa pelo mundo, já que a média global é de 25,5% – sendo 20,5% de mulheres em cargos de liderança”, comemora Bruno Barreto, consultor de diversidade para a América do Sul. A companhia, que atua nos segmentos químico, de materiais e de soluções para agricultura e petróleo e gás, entre outros, tem como estratégia para 2021 alcançar um percentual entre 22% e 24% de mulheres em cargos de liderança. “Os resultados sul-americanos já são considerados referência”, diz.

Bruno Barreto Consultor de diversidade da Basf para a América do sul

Bruno Barreto
Consultor de diversidade da Basf para a América do sul
Foto: Divulgação

Esta importante conquista para as mulheres dentro da BASF pode sinalizar mudanças importantes em relação ao cenário atual, no qual elas aparecem como a maioria entre as vítimas de comportamentos desrespeitosos no trabalho. Foi isso o que mostrou uma pesquisa, realizada entre 3 e 15 de maio deste ano, pelo portal de carreira Vagas <www.vagas.com.br>. O estudo procurou mapear o que classificou como “preconceito e discriminação no trabalho” e para isso, selecionou uma amostra de 1.731 currículos cadastrados. Desse total, 50% revelaram já ter sofrido esse tipo de problema. Essa base, composta por 861 respondentes é formada, em sua maioria, por mulheres (55%), com idade média de 34 anos, sem filhos (57%), com curso superior (56%) e ocupando cargos de nível auxiliar/operacional (36%).

A pesquisa revela ainda, entre outros dados, que 41% dos casos foram perpetrados por um superior hierárquico, 30% pelo chefe direto do ofendido, 23% por funcionários do mesmo nível e apenas 6% dos episódios foram ocasionados por colaborador de função hierárquica inferior. O estudo aponta também que a maioria das ofensas (63%) é praticada por homens ante 37% por mulheres.

Do ponto de vista dos funcionários, uma série de características pessoais podem motivar situações embaraçosas ou constrangedoras dentro da empresa. Entre as citadas, estão idade (26%), comportamento (timidez, extroversão etc., 23%), peso (17%), raça (16%), aparência (tatuagem, piercing, 13%), religião ou crença (13%), gênero (12%), nacionalidade, região ou cidade (8%), sotaque (7%), orientação sexual (6%), estado civil (5%), gravidez (5%) e deficiência (3%), além da estatura (alta ou baixa), classe social, grau de instrução, região em que mora, nome, entre outros.

Por isso, os esforços da BASF para garantir a diversidade não param na inclusão de mulheres. Barreto também cita o grupo de afinidades voltado para negros chamado BIG (Black Inclusion Group). “Por meio dele, foi realizada uma parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, que resultou na contratação de 13 estagiários negros, que contam com mentoria dos membros do grupo, assim como iniciativas de capacitação, como aulas de Inglês. Adicionalmente, das 13 mil inscrições do Programa de Trainee 2017, 23% foram de estudantes negros”, conta Barreto.

Além do BIG, o programa chamado Meu Novo Mundo, em parceria com a Fiesp, foi responsável pela contratação de 80 jovens-aprendizes com deficiência severa. “Adicionalmente, instituímos um dashboard de diversidade, por meio do qual podemos acompanhar mensalmente nossos resultados”, complementa.

 

Mais inclusão

Nathalia Molina Diretora Jurídica e Recursos Humanos da Meritor

Nathalia Molina
Diretora Jurídica e Recursos Humanos da Meritor
Foto: Divulgação

Fabricante do setor automotivo, a Meritor também ostenta um trabalho importante na inclusão de deficientes, pelo qual foi notabilizada. “Atuamos de forma bastante intensa na questão diversidade. Somos referência na região pela inclusão dos trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho, por exemplo”, lembra Nathalia Molina, diretora Jurídica e Recursos Humanos da empresa. Primeira mulher na diretoria da Meritor no Brasil – que já tem 62 anos de atuação no País – ela acredita que esse foi também um grande passo para uma inclusão ainda maior de mulheres em cargos de liderança.

Apesar de nunca ter recebido nenhuma queixa de candidato com relação à discriminação dentro do processo seletivo, a empresa investe em treinamentos e orientações sobre diversidade para gestores. “A educação é sempre o melhor caminho. Atividades em equipe e treinamentos funcionam bem. Além disso, o assunto deve ser tratado de forma clara e transparente sempre e a área de recrutamento e seleção participa de todo o processo, garantindo a lisura da escolha do candidato final”, descreve Nathalia.

A BASF aplica uma pesquisa de satisfação para avaliar seus processos seletivos, principalmente nos programas de estágio e trainee e o seu feedback tem se mantido positivo. “Nos preocupamos com o bem-estar de nossos colaboradores e com a ética no ambiente de trabalho e também no processo seletivo. Estamos abertos e contamos com canais de denúncia disponíveis, em caráter confidencial, para eventuais queixas que possam surgir”, testemunha Barreto, acrescentando que a política global de compliance da empresa contempla um canal de denúncia 0800 e um Comitê de Compliance, dedicado especificamente a estes assuntos. “Já recebemos queixas de colaboradores, que foram apuradas de forma confidencial por empresa terceira, com medidas adequadas/legais cabíveis aplicadas”.

 

Viés inconsciente

O caminho para chegar a este patamar de qualidade e transparência no processo é construído lentamente, e envolve muita informação. Tudo começa com a formação de um time bem preparado de recrutadores. Tanto na BASF quanto na Meritor, os colaboradores passam por treinamentos específicos para trabalhar o chamado viés inconsciente. “Em processos seletivos e no relacionamento cotidiano, um ponto chave é trazer à consciência o viés inconsciente, um conjunto de estereótipos criados a partir de vivências e estímulos que sofremos ao longo da vida, que podem culminar em julgamentos intuitivos”, explica Barreto. “Este viés consiste na tendência em avaliarmos melhor pessoas que tenham gostos ou traços parecidos com os nossos ou com os quais fomos ensinados a acreditar serem os melhores. Com isso, a avaliação por competência pode sofrer interferências.”

Na BASF, toda a equipe de seleção já passou por treinamento sobre viés inconsciente, de forma a trazer a diversidade para os processos seletivos. Atualmente, este tipo de capacitação é mandatória também para a liderança, de forma a atingir 100% dos líderes do Brasil até o segundo trimestre de 2019. “Acreditamos que seja necessário exercer este papel educativo, afinal, a desconstrução é um trabalho contínuo. Mas também precisamos nos apoiar na lei e coibir comportamentos que não correspondam com a legislação. Na BASF, por exemplo, o comportamento dos colaboradores em redes sociais tem impacto dentro da empresa, pois temos uma visão holística do colaborador e de nossa marca empregadora”, acrescenta Barreto.

O consultor de diversidade da empresa ressalta também a realização, dentro da empresa, de treinamentos de compliance, antitruste, anticorrupção, comportamentais e sobre o código de conduta, entre outros. “Por enquanto, o de viés inconsciente é mandatório somente para a liderança, mas está em andamento um projeto para que seja aplicado a toda a empresa”.

 

 

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