Sociedade 5.0

Já imaginou como seria viver em uma sociedade onde sistemas inteligentes e humanos são totalmente integrados? Cidades onde tecnologias digitais seriam utilizadas para melhorar a qualidade de vida das pessoas? Bem-vindos à Sociedade 5.0!

*Por Sheila Moreira | Foto: iStock

Há alguns anos, o Japão vem assistindo ao envelhecimento da sua população e a bruscas quedas no índice de natalidade (em 2018, houve o menor registro desde 1899). Esse cenário trouxe à tona algumas questões que poderiam afetar a economia japonesa em grandes proporções: ausência de mão de obra jovem no mercado, altos gastos com saúde e aumento nos custos da previdência social. Frente a este dilema, o governo japonês resolveu dar início a um processo de transformação social, usando a integração de tecnologias inteligentes para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Assim, nasceu o conceito de Sociedade 5.0.

O termo foi usado pela primeira vez em 2016, quando o Japão apresentou o seu 5º Plano Básico de Ciência e Tecnologia, que previa a transição de uma sociedade comum para uma sociedade “superinteligente”. Durante um evento realizado na Alemanha, em 2017, o primeiro-ministro japonês Shinzō Abe fez a seguinte descrição: “uma sociedade futura que se beneficia da tecnologia para seu avanço econômico e resolução dos seus problemas”.

Conectada e adaptável, a Sociedade 5.0 é centrada no ser humano. Ao contrário do período 4.0 – de transformação digital, focado na indústria e dedicado à otimização e integração de sistemas produtivos – esse novo modelo de sociedade busca colocar tecnologias inteligentes (IoT, Big Data, Cloud Computing, Inteligência Artificial, Realidade Aumentada, Robótica, etc.) à disposição dos humanos em inúmeros campos, como segurança, saúde, mobilidade, infraestrutura, entre outros. O objetivo é incorporar na sociedade toda a inovação e o conhecimento alcançados durante a 4ª Revolução Industrial, aliando tecnologias e pessoas.

Yoko Ishikura, professora emérita da Universidade Hitotsubashi

Yoko Ishikura, professora emérita da Universidade Hitotsubashi | Foto: Acervo pessoal

Segundo Yoko Ishikura, professora emérita da Universidade Hitotsubashi (Tóquio) e entusiasta do conceito de sociedade superinteligente, a tecnologia por si só não agrega valor, por isso, a importância das pessoas no centro. De acordo com ela, a combinação entre criatividade e inovação pode, além de resolver problemas, agregar valor à sociedade. Para que a Sociedade 5.0 se torne realidade, Ishikura acredita que são necessárias algumas mudanças: “Empresas, indivíduos e governos precisam mudar. As empresas precisam rever as relações de trabalho, assim como os governos precisam rever regulamentações e os sistemas de ensino, além de se aproximarem mais da sociedade. Na nova era, precisamos de novas competências”.

Ishikura explica que a Sociedade 5.0 não é algo limitado ao Japão: “Os principais valores dessa nova sociedade são a sustentabilidade, a abertura e a inclusão. Estamos usando a transformação digital para resolver questões e existe uma rede colaborativa com parceiros do mundo todo. Podemos construir um desenvolvimento sustentável global ao compartilhar conhecimento acumulado no processo”.

Para Mariano Laplane, docente do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador do Projeto Indústria 2027 (sobre riscos e oportunidades diante de inovações disruptivas), a sociedade superinteligente terá que passar por alguns desafios antes de se consolidar. “A Sociedade 5.0 é muito nova e de muita transferência. As tecnologias trazem alguns problemas estruturais, relacionados à segurança cibernética e à privacidade, por exemplo. O avanço da robotização pode sim, em alguns aspectos, causar danos ao mercado de trabalho. Então, o desenvolvimento desse tipo de sociedade vai ter que ser gradual e adequado às peculiaridades regionais”, afirma o professor.

O Japão, berço do conceito, já caminha em direção à sociedade do futuro. O país prevê grandes investimentos em tecnologias inteligentes em diferentes áreas. Em robótica, por exemplo, são previstos US$ 87 bilhões até 2035. No ano passado, foram fornecidos US$ 1,44 bilhão para financiamento em Inteligência Artificial (IA) para a Innovation Network Corporation of Japan (INCJ), parceria público-privada formada pelo governo e 19 empresas. Além disso, o mercado de Internet das Coisas (IoT) deve atingir US$ 6 bilhões até o final de 2019.

 

Como seria a indústria da sociedade superinteligente?

Em meio a tantas transformações, fica a pergunta de como a indústria se adequaria a essa nova sociedade. Se hoje o objetivo é digitalizar e otimizar processos produtivos, o próximo passo seria utilizar essa infraestrutura inovadora para melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Mariano Laplane, Docente do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador do Projeto Indústria 2027

Mariano Laplane, Docente do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador do Projeto Indústria 2027 | Foto: Unicamp

Yoko Ishikura acredita que, em cinco anos, a indústria estará muito diferente da forma atual. A tendência, segundo a professora, é que a manufatura seja controlada via software, gerando dados que vão transformar as cadeias de valor e de suprimentos das empresas. Ela conta que no Japão as indústrias automobilística e de eletrônicos estão se modificando rapidamente. A Toyota, por exemplo, deixou o rótulo de fabricante de automóveis para assumir a postura de uma empresa de mobilidade. “Essas mudanças também vão chegar ao segmento de bens de capital, que é a base da indústria e da sociedade”, diz Ishikura. De acordo com a professora, outros setores, como o de saúde e assistência, estão se movendo mais lentamente, já que são focados em serviços e não em alta produtividade.

Na opinião de Mariano Laplane, a produção inteligente vai alavancar a Sociedade 5.0. Ele também acredita que, no futuro, a linha que separa as indústrias de bens de consumo e de bens de capital será muito tênue. “Um fabricante de geladeiras inteligentes poderá oferecer serviços on-line de manutenção preventiva aos seus clientes. Então, a relação entre esses dois nichos industriais será um pouco mais complexa do que hoje, quando o papel de cada um deles está muito bem definido”, exemplifica. Laplane também destaca que a otimização de processos produtivos ao lado de uma maior articulação e diálogo entre fabricantes, fornecedores e consumidores deve gerar novas oportunidades de mercado.

 

Novos mercados e oportunidades

Entre as áreas com potencial de crescimento, tratando especificamente da indústria de bens de capital, está a de manufatura aditiva. “É possível pensar em uma máquina modular de manufatura aditiva em uma planta de usinagem de metais para gerar peças de reposição.”, diz Carlos Eduardo Pereira, diretor de Operações da Embrapii – Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial.

Carlos Eduardo Pereira, Diretor de Operações da Emprapii

Carlos Eduardo Pereira, Diretor de Operações da Emprapii | Foto: Acervo pessoal

Laplane explica que a instabilidade do mercado brasileiro torna muito difícil para a indústria a decisão de investir em inovação. Sob o seu ponto de vista, “dificilmente os equipamentos serão trocados partindo do zero”. Para o docente, neste caso, a expansão do mercado de retrofit se mostra uma coerente alternativa:  “Penso que uma solução intermediária seria otimizar, implantar inteligência em equipamentos que já estão em uso no chão de fábrica. Isso abre novas portas para o mercado de retrofit, que pode oferecer serviços de automatização de processos, instalação de sensores, sistemas de manutenção preventiva, monitoramento remoto, etc.”

O nicho hospitalar também é apontado como uma grande oportunidade no contexto da Sociedade 5.0. A demanda por enfermeiros e o envelhecimento populacional no Reino Unido levaram professores e alunos da Imperial College London ao aprimoramento do robô Baxter para auxiliar idosos e pessoas com limitações físicas. Originalmente, ele foi criado nos EUA (por uma startup), mas se tornou o objeto de estudo de muitas pesquisas acadêmicas. Sua versão atual possui braços mecânicos, rosto animado e dedos (habilidosos) produzidos por meio de impressão 3D. Além disso, sensores são capazes de analisar padrões e notar dificuldades do paciente para movimentar pernas ou braços. O robô já foi testado em linhas de produção industriais e, também, em ajuda humanitária no continente africano.

Pereira conta que na Embrapii existem projetos relacionados à área de Hospital 4.0 (ver box), focados na otimização do atendimento e na qualidade de vida dos pacientes. “Leitos inteligentes, conectados a sistemas de monitoramento cardíaco, por exemplo, poderiam suprir a alta demanda por enfermeiros nos hospitais. Se formos além, esses leitos, se utilizados em casa, poderiam evitar mortes súbitas causadas por ataques cardíacos durante o sono.” O diretor de Operações da Embrapii também citou o uso do conceito de fotônica em projetos de incubadoras neonatais, que reproduz o ambiente adequado para a vida dos recém-nascidos, principalmente bebês prematuros.

 

Unidade Embrapii desenvolve monitor automático para salvar vidas

O Instituto Federal do Ceará (IF-CE), uma unidade credenciada Embrapii, desenvolveu junto à empresa Integrare Health Tecnology um monitor automático vestível para prever situações de risco e alertar profissionais da saúde sobre o quadro clínico de pacientes.

Acoplado em uma roupa (um top), o dispositivo poderá monitorar frequência cardíaca e respiratória, pressão arterial e temperatura. Os dados coletados serão enviados automaticamente ao sistema da central médica, via wi-fi ou bluetooth, ou para o aplicativo de qualquer smartphone integrado.

Com os dados, os profissionais vão saber o estado de cada enfermo em tempo real, sem necessidade de visita a todos os leitos. Quando houver variações nos sinais vitais coletados, o aparelho emitirá alertas à equipe médica.

A tecnologia nacional apresenta menor custo do que equipamentos similares importados, o que possibilita o seu uso em leitos fora da UTI, residências e no sistema home care. No corpo do paciente, o aparelho tem autonomia de quatro dias.

 

Desafios para a indústria nacional

Yoko Ishikura diz que países como o Brasil, em estágio inicial de transformação digital, terão uma grande oportunidade: “A indústria poderá agir rapidamente e se posicionar”. Segundo Laplane, a tarefa não é tão simples, pois antes de chegar à Sociedade 5.0, o grande desafio do Brasil é articular e coordenar políticas industriais para atender as diferentes demandas do setor. “O nosso país tem uma base industrial muito heterogênea e, por isso, não vejo o Brasil replicando iniciativas semelhantes às de outros países. A Indústria 4.0 pensada na Alemanha não atende às necessidades do Brasil, assim como o conceito de Sociedade 5.0 foi pensado para o contexto japonês”, afirma o professor da Unicamp.

Pereira destaca a importância de iniciativas como o Programa Brasil Mais Produtivo, desenvolvido pelo governo federal em parceria com o Senai, para auxiliar pequenas e médias empresas no diagnóstico de pontos de melhoria por meio de digitalização e lean manufacturing. Indicadores divulgados no site do projeto mostram que as mais de 3 mil empresas atendidas apresentaram cerca de 52% de aumento na produtividade. “As empresas, principalmente de pequeno e médio porte, precisam entender que o processo de transformação digital no chão de fábrica pode ser realizado de maneira gradual. A evolução não precisa ser tão disruptiva para a empresa”, alerta.

 

 

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