Abertura comercial

A abertura comercial anunciada pelo novo governo exigirá uma série de adequações para as empresas nacionais. Mas caso seja conduzida gradualmente e com critérios bem definidos, ela poderá ser benéfica para a indústria. Esta é a opinião de economistas e representantes de entidades consultados por O Mundo da Usinagem

*Por Denise Marson | Foto: iStockphoto

 

Salvo pequenos pontos de discordância, para os economistas e representantes de entidades que ouvimos nesta edição a abertura comercial anunciada pelo ministro Paulo Guedes será positiva para a indústria nacional.

Em comum, os especialistas se mostram esperançosos de que a indústria nacional poderá ingressar em uma era promissora. Recentes dados da pesquisa Indicadores Industriais, divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostram que o faturamento real da indústria cresceu 1,1% em dezembro, em relação a novembro de 2018, considerando-se os ajustes sazonais. A capacidade instalada subiu 0,5 ponto percentual, enquanto as horas trabalhadas tiveram um aumento de 0,1% (considerado próximo da estabilidade) e o emprego, de 0,9%. Segundo a entidade, “o encerramento de 2018 mostra que apenas o faturamento manteve trajetória de expansão ao longo do ano”. Na comparação entre as médias dos dois anos, houve um crescimento de 4,1% no faturamento em 2018 comparando-se com o período anterior.

Para que esses bons resultados se mantenham, a CNI enfatiza que as ações do novo governo terão extrema importância, principalmente com relação ao equilíbrio fiscal, à reforma da previdência e à redução da burocracia.

Veja o que pensam sobre os assunto Simão Davi Silber, Professor Doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP); Otto Nogami, Professor do Insper e Economista-chefe da Abimei (Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais); João Carlos Marchesan, presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos); e de Carlos Martins, presidente-executivo do Sinafer (Sindicato da Indústria de Artefatos de Ferro, Metais e Ferramentas em Geral no Estado de São Paulo) e da ABFA (Associação Brasileira da Indústria de Ferramentas, Abrasivos e Usinagem).

 

Simão Davi Silber

Simão Davi Silber Professor Doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP)

Simão Davi Silber
Professor Doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) | Foto: Divulgação

O grande desafio é o do que se imagina que o governo possa fazer em um período de tempo relativamente curto. Por enquanto, ainda não há nada definido. Mas como tem se falado muito sobre a abertura da economia como um dos pilares da mudança, eu acredito que será adotado o que tem sido padrão, que é uma abertura paulatina. Ou seja, nunca deve se imaginar que ela seja feita de uma hora para outra. Usualmente, isso ocorre em um período de quatro anos.

Desse modo, o grande desafio seria o setor de máquinas-ferramenta se adaptar para um imposto de importação menor. Por exemplo, suponhamos que seja aprovada em 2019, até entrar em vigor, serão mais alguns anos. Lá para 2024, o setor tem que estar mais familiarizado com a concorrência do produto importado.

A primeira coisa é desmistificar: o timing da abertura não é da noite para o dia. Esse processo é feito paulatinamente e, uma das razões, é justamente para ajudar as empresas a se reestruturarem.

Como o Brasil tem um protecionismo exagerado, a abertura traria uma grande oportunidade que seria a de os fabricantes nacionais poderem se associar com fornecedores internacionais para comprar componentes para suas máquinas, por exemplo, que antes pagavam mais caro. Dessa forma, eles poderão ter acesso a uma tecnologia melhor a um custo menor, e isso pode trazer uma reestruturação produtiva com ganhos significativos em termos tecnológicos, ou seja, ganhos de produtividade.

Outra vantagem importante: suponhamos que esta abertura seja suficientemente ampla, para vários setores. Neste cenário, todos vão querer importar mais e, para isso, precisarão comprar dólares. Com isso, o preço irá subir e, então, vai ter uma depreciação cambial que será boa para duas coisas: para proteger a empresa do importado e tornar mais competitiva a máquina-ferramenta brasileira nos outros mercados.

Então, é possível que se tenha, associada à abertura, uma vantagem adicional que é a depreciação da taxa de câmbio. Assim, eu diria que o foco do setor de máquina-ferramenta pode ser mais cosmopolita, ou seja, pensar mais no mercado externo, não apenas no interno. Será possível fazer um mix de mercados que aumente escala e reduza custos. Eu vejo grandes vantagens.

Nós já tivemos alguns rounds de abertura de mercado, então esta não seria a primeira experiência que o Brasil está fazendo. A última grande abertura foi nos anos 90 e não foi um holocausto, por assim dizer. O gradualismo, a mudança no câmbio, o acesso à tecnologia, os maiores investimentos – acho que o setor já sabe que isso seria uma questão de tempo, pois isso já estava datado para acontecer, uma vez que o País tem tarifas de importação das mais elevados para bens de capital. E isso penaliza muito o crescimento e os ganhos de produtividade. Eu diria que o saldo líquido é muito favorável e as empresas vão ter que se ajustar a um ambiente de negócios mais competitivo, mas com muito mais oportunidades.

 

Otto Nogami

Otto Nogami, professor de economia do Insper e economista-chefe da Abimei

Otto Nogami, Professor de economia do Insper e economista-chefe da Abimei | Foto: Roberto Assem

Houve, nas últimas décadas, um protecionismo muito grande no setor de máquinas, ferramentas e equipamentos industriais devido ao lobby na indústria de máquinas nacional. Isso fez com que, gradativamente, a defasagem tecnológica aumentasse cada vez mais, ao ponto de as nossas máquinas hoje estarem muito distantes daquilo que a gente vê na Coreia e até mesmo na China.

Então, essa abertura é fundamental justamente para retomar uma competitividade maior para o setor e, consequentemente, a própria indústria acaba se beneficiando disso, a medida que você tem um produto feito no nosso território e que leva, naturalmente, ao chamado transbordamento tecnológico. Então a abertura só terá a contribuir para o desenvolvimento industrial brasileiro.

O lado ruim seria exatamente o de tirar do mercado aquelas empresas que não investiram ao longo das últimas décadas. Isso fez com que a gente perdesse, no setor produtivo, na indústria como um todo, a competitividade – seja em preço ou em qualidade. Na verdade, foi um dano que essas indústrias nacionais acabaram criando para a nossa própria economia.

As indústrias como um todo estão otimistas, sem dúvida alguma. Principalmente a medida em que essa nova equipe econômica consiga reduzir ou abolir as alíquotas de importação de maquinário. Isso vai ser fundamental para a retomada do crescimento do setor produtivo da nossa economia.

 

João Carlos Marchesan

João Carlos Marchesan Presidente da ABIMAQ

João Carlos Marchesan,
Presidente da ABIMAQ | Foto: Divulgação

Nós vivemos em um mundo capitalista e, por isso, o que impera é a concorrência: vence sempre quem é o melhor. No entanto, nós entendemos que, para que isso seja feito, é necessário eliminar as assimetrias, que estão principalmente no chamado Custo Brasil. As empresas brasileiras são altamente produtivas, mas não são competitivas, pois nós temos uma situação cambial que oscila muito e, independentemente dela, temos o Custo Brasil.

Desse modo, precisamos fazer rapidamente a reforma da previdência, para dar credibilidade e, com isso, especialmente o custo do dinheiro deverá cair. Além disso, é preciso fazer a reforma nesse ‘manicômio tributário’ em que o empresário vive hoje. E também fazer aquilo que o ministro Paulo Guedes fala sempre: eliminar aquela ‘bola de ferro’ que são os juros, os tributos – outra ‘bola de ferro’ – e o ‘piano’ que se está carregando nas costas, que são os encargos sociais.

Feito isso, eliminadas essas assimetrias, nós teremos condições de concorrer nos mesmos paradigmas, nas mesmas bases que os nossos concorrentes internacionais e não temos que ter medo de ninguém. Nós entendemos que, por esse lado, isso vai acontecer e o governo está muito atento a isso, a essa política de competitividade e de se estabelecer um prazo para que tudo seja feito.

 

Carlos Martins

Carlos Martins, Presidente-executivo do SINAFER e da ABFA

Carlos Martins, Presidente-executivo do SINAFER e da ABFA | Foto: Divulgação

Estamos no caminho da abertura comercial, mas ela envolve um conjunto de fatores. Ela é importante para o setor, para a competitividade, mas nos preocupa de que forma ela será feita. Antes de tudo, é necessário que sejam feitas as reformas.

Além disso, é preciso que a abertura seja gradual e que haja um alinhamento com o setor privado para que ela não seja feita de forma desordenada, sem conhecer as particularidades do setor.

Há alguns fundamentos da economia, dos quais falamos há alguns anos, que oneram as empresas: tais como a deficiência crônica da infraestrutura, a carga tributária, o elevado custo do crédito, especialmente para as empresas menores, a tendência de sobrevalorização da taxa de câmbio e a burocracia. De modo geral, a indústria do setor pode ser competitiva em seus processos, porém, quando “se atravessa o portão”, é importante que haja sistemas de compensação por conta dessas deficiências conjunturais.

Podemos, sim, ter competitividade e investir em tecnologia e inovação, mas e a outra parte?

As tarifas de importação não são sistemas de proteção, elas são, na verdade, sistemas de compensação por conta dessas dessas nossas deficiências conjunturais. De qualquer forma, nós somos a favor da abertura comercial, mas ela de ser feita de forma gradual, considerando essas particularidades.

Como oportunidades, vejo que esta abertura vai possibilitar mais investimentos em tecnologia como forma de nos tornarmos mais competitivos e oferecermos menores preços. Seremos mais competitivos internacionalmente e poderemos exportar nossos produtos.

As empresas estão bem preparadas. Sabemos que não é a imposição de uma tarifa que vai resguardar o mercado, pois há outros mecanismos que podem proteger o setor, tais como barreiras não tarifárias, barreiras sanitárias, barreiras ambientais, legislação antidumping, entre outras, e, principalmente, medidas contra a concorrência desleal. É preciso que as regras sejam iguais para todos.

Todos estão torcendo para que as coisas deem certo e, por meio da associação e da CNI, estamos nos mobilizando para levar todos os pleitos ao governo. A ABFA é um fórum que reúne as empresas do setor, onde estamos discutindo as melhores formas de levar adiante essas demandas.

 

 

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