A combinação de desintermediação do digital com a experiência do meio físico
*Por David G. Natal e Julio Alonso | Foto: Shutterstock
Vamos realizar um pequeno experimento: cronometremos o tempo exato que levamos para comprar algo por meio do nosso aplicativo da Amazon, como o último livro do britânico Ben Brooks, por exemplo. Abrimos o aplicativo, buscamos o livro, clicamos na opção comprar (cartão e endereço já estão armazenados), nossa impressão digital é solicitada e uma mensagem anuncia que o receberemos em 24 horas (vantagens de ser cliente Premium). Ao todo, levamos 30 segundos.
Agora, façamos o teste em uma loja física. Procuramos as prateleiras de literatura internacional, encontramos a letra B, achamos o livro, vamos ao caixa, esperamos na fila, pegamos o cartão, nos perguntam se somos sócios e pagamos. No total, dentro de um processo de compra satisfatório, cinco minutos. Não apenas não negamos o romantismo das livrarias, a capacidade de descobrir novas publicações, a possibilidade de sentir as texturas das páginas e capas, mas ao contrário, o reivindicamos. Estes são elementos que o mundo digital precisa.
Como consumidores, temos aprendido a exigir uma experiência de compra unificada, que tenda à convergência entre a potencialidade infinita do mundo digital e a tangibilidade do meio físico. Se o buffering não é aceitável na compra digital, tampouco o são as esperas no momento de consultar o estoque de um produto na esfera física. Em um nível semelhante, a experiência de compra digital não pode prescindir da capacidade imersiva e da opção de teste do mundo físico. A convergência do físico e do digital alcança todos os aspectos de nossas vidas, mas manifesta-se de maneira mais pungente em nossa experiência como consumidor.
De acordo com um estudo recente elaborado pela MindTree, 60 % dos consumidores reconhecem que gostam de combinar a compra on-line com a compra física. Muito além das possíveis convergências, a experiência phygital é um exemplo da necessidade das marcas orientarem suas atividades em direção a um propósito que faça frente ao consumidor e de transcender a venda de produtos para gerar serviços que funcionem como ecossistemas nos quais o físico e o digital se mesclam.
Uma experiência única
O caso mais famoso de convergência phygital, no qual o digital passa a ser físico, é o da Amazon Go. A Amazon, por meio de seu CEO Jeff Bezos, há anos garante que não terá espaços de venda física. Graças a essa capacidade mutante que lhe permite trabalhar tendo como base sua missão de ser a empresa mais clientecêntrica do mundo, a Amazon começou abrindo lojas pop-up, baseadas em seus gadgets tecnológicos, que agora continuarão como livrarias e, o que é mais importante em nossa temática, com uma nova visão do retail, chamado de Amazon Go que, em sua versão inicial, foi lançado tendo como foco os produtos do dia a dia. Embora sua efetiva implementação esteja atrasada, a ideia está clara.
Por meio do denominado Just walk out technology (uma mescla de reconhecimento facial, captura de movimento, sensores, códigos QR e inteligência artificial), a Amazon propõe que nossa experiência de compra phygital tenha o melhor do ambiente físico (capacidade de alcançar sensorialmente o produto e obtenção imediata) e o melhor de meio digital (rapidez e eliminação dos processos intermediários). Isso é o que demonstra a versão beta lançada em Seattle, a qual apenas empregados da Amazon tem acesso para comprar. É uma linha que marca as possibilidades oferecidas pela experiência phygital e envia a experiência de compra tradicional de volta ao século 20.
Sendo o exemplo da Amazon Go o caso mais claro de transição do digital ao phygital, a verdade é que todo o e-commerce (um termo que, neste contexto, torna-se defasado), avança na necessidade de adquirir características do meio físico, que resultam fundamentais nos processos de compra. Neste sentido, o mais importante é a aquisição de uma espacialidade, que vem de mãos dadas com as experiências imersivas e, de modo concreto, das gravações 360º e da realidade virtual.
Se as lojas físicas tendem a usar telas sensíveis ao toque, integração de aplicativos e pagamentos móveis, as digitais avançam progressivamente rumo a possibilidades que oferecem um teste de produto, através da realidade aumentada, uma visita virtual para obter a sensação de tocar o estoque ou uma experiência imersiva que nos permite ingressar no mundo da marca e vivê-la a partir do seu interior. Não teremos que ir muito longe para encontrar as primeiras experiências neste sentido, já que Massimo Dutti lançou, há alguns meses, uma funcionalidade VR para seu website que permitia, mediante o uso de óculos, visitar uma loja para escolher o produto.
Novos conectores
Uma vez compreendidas as motivações e as necessidades que modulam um ambiente cada vez mais phygital, também é necessário entender as chaves da disrupção tecnológica, diante das quais este processo de convivência física e digital se desenvolve. Tal como ocorre quando Morpheus introduz Neo em Matrix ou quando os protagonistas de As Crônicas de Nárnia entram e saem do armário para ingressar em um novo reino, nós também precisamos de elementos conectores que nos permitam saltar de um ambiente para o outro. À medida que a integração da tecnologia nos permita dar este salto de maneira mais natural, a experiência phygital nos fará mais do que crescer. O desenvolvimento de conectores será fundamental para essa integração nos próximos anos.
Nossa experiência como consumidores hoje em dia não começa nem termina em um mundo ou em outro apenas, mas permite mover-nos para frente e para trás, como quem viaja entre planetas, através do uso desses conectores e muitos outros que ainda estão por vir. Telas sensíveis ao toque, beacons (dispositivos que funcionam por meio de um sinal de bluetooth), cartões de RFID (que armazenam todas as informações de um produto), testadores inteligentes, Light ID (que utiliza a luz para se comunicar com nossos dispositivos móveis) impulsionarão, nos próximos anos, uma experiência integrada de consumo, mais orientada ao serviço do que a mera coleção de produtos.
Empresas não apenas como aquelas já mencionadas, como a Amazon, mas também gigantes têxteis, como a Dafiti ou a Inditex, criaram lojas que representam o maior expoente da ROPO (Research Offline-Purchase Online), permitindo-nos tocar, ver e cheirar o que, por fim, compraremos no ambiente digital. Em um contexto de disrupção digital constante e acelerada, no qual outros aspectos, como os carros autodirigíveis, que também devem mudar nosso perfil como consumidores de serviços, torna-se necessário voltar à base de tudo, ao propósito que norteia a nossa proposta como consumidor. Por isso, nos próximos anos, veremos triunfar aquelas marcas que compreenderem sua relação com os consumidores como uma experiência integrada, aquelas que, acima da interação pontual, potencializarem o desenvolvimento de plataformas interconectadas de serviços, nas quais o digital e o físico são apenas um.
*David G. Natal é diretor da Área de Consumer Engagement e Julio Alonso é consultor da área de Consumer Engagement. Ambos da LLORENTE&CUENCA, Consultoria de gestão de reputação, comunicação e assuntos públicos.