Na opinião de John Paul Hempel Lima, coordenador dos cursos de Engenharia da Faculdade de Tecnologia FIAP, a indústria entende a importância da incorporação de novas tecnologias – como o Digital Twin e a Realidade Aumentada – porém, não aloca recursos para isso
*Por Sheila Moreira | Foto: iStock
O tema transformação digital está em voga na indústria nacional. Mas seria apenas mais uma tendência ou uma realidade? Estaria o chão de fábrica preparado para receber tecnologias digitais que vão metamorfosear os processos de manufatura e criar outras oportunidades de mercado?
Para John Paul Hempel Lima, o processo de transição para a era digital deve passar, obrigatoriamente, pela cultura das empresas. “É preciso realizar processos de transformação digital internos, qualificando os colaboradores para trabalhar com novas tecnologias. Em um novo cenário, as formas de atuar também devem ser transformadas”, destaca o professor.
Neste contexto, a adoção de tecnologias como o Digital Twin, a Realidade Virtual, a Realidade Aumentada e a Realidade Misturada (entre outras) está apenas em estágio inicial nas plantas industriais. Em entrevista para O Mundo da Usinagem, Hempel fala sobre os benefícios da implantação e integração destes recursos inovadores no chão de fábrica.
ANTES DE FALARMOS SOBRE O USO DE NOVAS TECNOLOGIAS, PODERIA COMENTAR O CENÁRIO DE TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NA INDÚSTRIA NACIONAL E SUAS PRINCIPAIS LACUNAS?
Segundo um estudo publicado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), somente 48% das empresas entrevistadas dizem utilizar tecnologias digitais em suas operações. Isso é um número muito baixo. A Indústria 4.0 e a transformação digital são oportunidades que o Brasil não pode perder. Algumas políticas públicas podem ajudar, como o Plano Nacional de IoT (Internet of Things), mas só depender do governo é muito pouco. As empresas precisam se transformar internamente.
De que forma a economia digital poderia elevar a produtividade e competitividade da indústria?
A economia digital permite uma escalabilidade sem precedentes na história. As redes sociais, plataformas de streaming e outras tecnologias permitem uma proximidade maior entre a indústria e as pessoas. Porém, as empresas acabam deixando de lado essas possibilidades, não acreditando no poder da tecnologia, até que um novo modal, uma tecnologia disruptiva se apresente e abale seu negócio.
No geral, qual o patamar da indústria em relação à adoção de tecnologias digitais?
Poucas iniciativas têm sido apresentadas pela indústria nacional nesse aspecto. Alguns projetos piloto foram iniciados, mas ainda é muito tímido o seu desenvolvimento. A indústria, no geral, apesar de entender a importância da incorporação de novas tecnologias, deixa como secundário, não alocando recursos e profissionais adequados. Somente 20% das empresas de alta intensidade tecnológica usam sistemas integrados de desenvolvimento de produtos e manufatura, um número muito baixo. De novo: a mudança passa pela cultura da empresa, fazendo com que os gestores e colaboradores percebam que mesmo que as tecnologias digitais, em um primeiro momento, não respondam a todos os problemas industriais, em um futuro próximo elas serão absolutamente indispensáveis e a empresa que não se preparar estará fora do mercado.
Como a indústria pode aplicar e extrair valor do Digital Twin?
Digital Twin é uma tendência nova de se construir um gêmeo digital, um simulador de um produto, processo ou máquina, sendo alimentado por sensores reais (em tempo real) do dispositivo existente. A vantagem desse conceito não é somente monitorar o seu funcionamento, mas simular situações de uso diferentes, aprimoramentos, falhas etc. Assim, quando necessário, a intervenção é muito mais eficaz. As equipes de Fórmula 1, por exemplo, utilizam esse conceito, onde a partir de simuladores é possível prever com bastante exatidão o resultado em uma prova. A Petrobrás tem alguns estudos piloto de gêmeos digitais para monitoramento e simulação de plantas de refino de petróleo.
Muitas pessoas ainda confundem Realidade Aumentada e Realidade Virtual. Poderia diferenciá-las e nos dizer os benefícios de cada uma delas para o chão de fábrica?
Realidade Virtual (RV) é a construção de um mundo onde processos e situações são simulados. Um jogo, por exemplo, é considerado realidade virtual. Exemplos usados na indústria são sistemas de treinamento de operadores de escavadeiras, máquinas pesadas e ponte rolante. Colocar os operadores em um ambiente virtual para que eles aprendam a operar em situações extremas é barato e eficiente. Realidade Aumentada (RA) é quando usamos a câmera do celular para captar uma imagem e, a partir do reconhecimento de algo, projetamos um objeto 3D ou uma informação sobreposta. Um exemplo é o Google Glass, óculos transparentes que permitem que você veja o ambiente, além de projetar informações relevantes sobre a lente. Agora, a tecnologia mais promissora é a chamada Realidade Misturada (Mixed Reality). É uma espécie de RA e RV, onde você vê o ambiente em que está, mas o sistema projeta um holograma neste ambiente, interagindo com os objetos e tudo o que está ao redor. Um exemplo é o Microsoft Hololens, que já possui diversas aplicações piloto para manutenção de turbinas e elevadores, por exemplo. O especialista em campo ganha produtividade ao incorporar elementos visuais no seu trabalho.
Pensando na integração das três tecnologias citadas, como seria uma “fábrica do futuro”?
Imagine a situação em que uma planta industrial está operando normalmente. Com a coleta dos dados do funcionamento da linha, um operador vê, em óculos de realidade misturada, os principais parâmetros. Como percebeu que a eficiência não está alta, abre um modelo virtual na sua frente e solicita ajustes de parâmetros. Antes de os ajustes serem usados na vida real, o gêmeo digital simula o desempenho. Quando o operador estiver satisfeito, manda atualizar a máquina real. Claro que todos os dados trafegam por redes de computadores, então a segurança cibernética e a conectividade são muito importantes neste sistema. Sistemas IoT são usados nesse cenário, coletando informações ao mesmo tempo que wearables podem ser usados para monitorar onde estão os funcionários e o seu grau de fadiga, por exemplo.
Em relação aos operadores do chão de fábrica, o que as empresas devem fazer para integrá-los com essas novas tecnologias?
A tecnologia é inevitável. Algumas indústrias podem demorar mais ou menos para incorporá-las, mas todas a farão em algum momento. Os operadores devem aprender a trabalhar com essas novas tecnologias, pois muitos novos empregos surgirão por conta disso, como, por exemplo, operadores de drones, cientistas de dados, integradores IoT, construtores de gêmeos digitais etc.