Cientista analisando a composição do Grafeno

Forma bidimensional do grafite, este nanomaterial já rendeu um Prêmio Nobel em Física por sua contribuição e tem inúmeras aplicações promissoras em variadas áreas do conhecimento: de energia à saúde, passando pela indústria

*Por Denise Marson | Foto: iStock

Presente na natureza na forma de grafita ou diamante, o carbono reúne uma série de propriedades e características que tornam riquíssima sua contribuição para variados processos, tais como seu uso na mineração e na siderurgia, em reatores e, em combinação com outros elementos, até mesmo na concepção de ferramentas de corte, por exemplo. Com o intuito de estudá-lo em sua escala nanométrica, o desafio passou a ser sua obtenção nessas condições, o que foi possível em 2004, pelas mãos dos cientistas russos André Geim e Konstantin Novoselov, da Universidade de Manchester. Seis anos mais tarde, a dupla foi agraciada com um Nobel em Física.

José Augusto Pereira Brito, Diretor executivo do MackGraphe

José Augusto Pereira Brito, Diretor executivo do MackGraphe | Foto: acervo pessoal

Mas por que o grafeno é tão promissor? A resposta está nas características que demonstrou, em comparação com outros materiais: descobriu-se, por exemplo, que ele é superior a qualquer outro material em termos de condutibilidade térmica e elétrica e, além disso, é 200 vezes mais resistente que o aço, mesmo sendo extremamente leve e flexível. Todos esses aspectos o credenciam como excelente escolha para o desenvolvimento de baterias ainda mais eficientes, sistemas de geração de energia mais inteligentes, carros mais leves e, consequentemente, mais econômicos, entre muitas outras possibilidades, muitas nem exploradas ainda.

Considerada a forma bidimensional do grafite – que, na verdade, tem a espessura de um átomo – ele se apresenta como um arranjo de átomos de carbono em uma estrutura hexagonal na forma de favos de mel. E, assim como outros materiais de escala nanométrica, ele é invisível a olho nu. “Podemos fazer a seguinte associação: um livro grosso é o grafite e cada página representa o grafeno”, exemplifica o professor José Augusto Pereira Brito, diretor executivo do MackGraphe – Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologias da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ao comparar os dois materiais.

 

Laboratório especializado

Com início de suas atividades em 2013, o MackGraphe é fruto de um investimento de 100 milhões de reais. Entre seus parceiros está o Centro de Pesquisa em Grafeno da Universidade Nacional de Cingapura, referência no estudo deste material, cujo diretor é o pesquisador brasileiro Antônio Hélio de Castro Neves.

Laboratório Mackgraphe

Foto: Divulgação

Desde então, uma equipe multidisciplinar formada por físicos, químicos, engenheiros de materiais e eletricistas vem explorando as possibilidades de aplicação do grafeno em áreas mais avançadas tais como a fotônica, a geração de energia e o desenvolvimento de materiais compósitos. Os recursos disponíveis para estes estudos estão dispostos em um prédio novo de sete andares (e mais dois no subsolo) e incluem uma sala limpa classe 1.000 com área aproximada de 200 m2, usada para a produção experimental do material.

“Tudo relacionado ao carbono já era bem estudado, mas ainda faltava esse material 2D”, explica o diretor do MackGraphe. “Até então, tínhamos informações de que ele já havia sido testado nesta forma bidimensional, mas o material seria instável à temperatura ambiente. Suas partículas têm a tendência de voltarem a se aglomerar.”

Os primeiros relatos sobre o estudo do grafeno datam de meados do século XX, quando os químicos alemães Ulrich Hofmann e Hanns-Peter Boehm escreveram os primeiros artigos e deram nome ao novo material. Desde então, sua obtenção pode ser feita por deposição química em vapor de metano ou por esfoliação mecânica, o método usado pelos russos Geim e Novoselov em seu premiado trabalho.

“Quando você pega um lápis com alta concentração de grafite e passa no papel, ele deposita várias camadas de grafenos. Dependendo da espessura, acabam sendo grafites (a forma purificada da grafita), mas que, decompostos, podem passar a ser grafenos”, ilustra o professor Brito. E, em uma quantidade muito fina deste grafite, estão de 1 milhão a 2 milhões de camadas de grafenos. “Até dez camadas é considerado grafeno, segundo a norma ISO. Cada camada tem 0,3 nm (espessura de um átomo), ou seja, é 2,5 a 3 milhões de vezes menor que um milímetro”.

Para chegar a estas camadas, os russos se utilizaram de uma fita adesiva especial e, a partir de uma partícula de grafite, foram repetindo processos de “colar e descolar” até que estas fossem reduzidas e chegassem ao grafeno. Após isso, retiraram o substrato (fita adesiva) e transferiram isso para a base de um circuito e, assim, começaram a testar suas propriedades condutivas. “A produção industrial do grafeno ainda é muito cara devido ao processo ser bastante complexo. No entanto, há novas formas que estão em desenvolvimento”, contextualiza o professor Brito.

Segundo ele, o que também torna o material especial é o fato de que ele reage facilmente com outros elementos, é biocompatível e pode ter um efeito bactericida, o que abre um leque de outras aplicações também no ramo farmacêutico e de medicina. Ele consegue, por exemplo, detectar a proteína HER2, associada a 30% dos casos de câncer de mama.

 

Inúmeras possibilidades para a indústria

Atualmente, acredita-se que o grafeno esteja em nível inicial de maturidade tecnológica e, por isso, seus estudos ainda dependem de incentivos do governo ou dos órgãos de fomento locais ou internacionais. Um trabalho conduzido pela gigante Intel – uma das maiores empresas de tecnologia – mostra, porém, que o material já entrou em uma nova fase desde o ano passado e que, até 2021, o mercado consolidará as aplicações industriais. “A indústria quer trabalhar com um risco menor, com algo já prototipado e que possa ser escalado para, desse modo, poder gerar valor agregado para as pessoas, empresas, municípios, para os estados e o País. Benefícios que mexem no ecossistema como um todo”, avalia Brito.

Laboratório do MackGraphe durante pesquisas realizadas no projeto

Laboratório do MackGraphe durante pesquisas realizadas no projeto | Foto: Divulgação

No campo das telecomunicações, por exemplo, já foi comprovado que o grafeno é superior ao silício com relação à sua condutibilidade elétrica e térmica. Entre outros muitos exemplos disruptivos, o diretor do MackGraphe cita uma tatuagem impressa em grafeno que pode fazer o monitoramento da frequência cardíaca: “ela pode ser até ‘invisível’, de tão fino e imperceptível que é o material”. Há também a possibilidade de se avaliar, em tempo real, outras condições de saúde do corpo humano.

No livro “Nanovate – Commercializing Disruptive Nanotechnologies” (Nanovate – Comercializando Nanotecnologias Disruptivas), cuja primeira edição é de 2016, são listadas experiências feitas com o grafeno por grandes multinacionais nas áreas de esportes, telecomunicações, alimentos, embalagens, cosméticos, entre outras. “As grandes montadoras também estão conduzindo estudos com nanomateriais para os sistemas de exaustão dos veículos, por exemplo. Há aplicações para geração de energia solar, armazenamento de hidrogênio, impressão 3D e até para a indústria têxtil. O grafeno é o carro-chefe, mas há milhares de elementos que podem ser estudados. A nanotecnologia chegou para ficar.”

 

 

Compartilhe